domingo, 17 de maio de 2009

Diamantes e filmes são (um prazer) para sempre.


No dia em que Igmar Bergman morreu o mundo ficou um pouco mais sombrio. Naquela mesma noite Arnaldo Jabor, em sua crônica do jornal da Globo, diria uma verdade contundente: Bergman era de um tempo em que filmes modificavam vidas, definiam rumos políticos, desencadeavam revoluções. Ver filme era essencial. E transformava. Seguindo a mesma linha, Bernardo Bertolucci disse certa vez que as discussões sobre cinema feitas pela geração de 68 apenas se igualaria hoje, em intensidade, ao que ocorre com o futebol.
Mas existem sobreviventes que nos inspiram a não aceitar esta afirmação como um todo. E é disso que Ruy Casto fala em seu livro mais recente: “um filme é para sempre” (Companhia das Letras, R$ 57,00).
Há algum tempo flerto Ruy Castro. Descobri-lo assim tão leve e denso numa tarde atribulada de sábado, foi um prazer para sempre. Folheei, li, reli, acelerei a leitura, e quando olhei o relógio, estava três horas atrasado para um compromisso. Levei-o comigo.
Mas falemos primeiramente do título, obviamente você já percebeu que é um livro sobre cinema. Contudo sua organizadora, Heloisa Seixas, logo adverte que não se trata de um manual, nem muito menos um ranking dos “best pictures”. Nele encontramos uma coletânea de artigos publicados em diversos meios da imprensa brasileira entre os anos de 1975 e 2006. E talvez esteja aí a singularidade desta obra que poderia ser um amontoado disperso de textos. Ruy fala de forma proximal e correta de filmes, diretores, estrelas. Ao aproveitar, por exemplo, o relançamento de diversas películas em DVD ele mostra seu vasto e desempolado conhecimento sobre a sétima arte. Outra ponto fundamental: o biógrafo de Nelson Rodrigues acaba falando, obviamente e com muita propriedade, de sua/nossa época, os backgrounds, os momentos em que os filmes continuam com a gente depois da sala escura. È o que ocorre em um dos artigos sobre Woody Allen quando do lançamento de sua “Poderosa Afrodite” em 1996. Neste momento Castro comenta a paralisia cerebral que rondou e se instaurou no Brasil com a bundalização estética (?) e a privatização política. E com certeza você se lembra disso, ou até queira esquecer. Sobre aqueles sombrios dias nosso cronista crava cintilantemente esta certeza universal/local, passada/presente:

“Os problemas de seus personagens [de Woody Allen] são os nossos problemas, seu mundo é nosso mundo, e que bom que a minoria de que fazemos parte – a dos adultos, não importa a idade – o tenha como porta voz. E que bom também que, ao sair de casa para ver um de seus filmes, possamos levar conosco uma velha amiga que tem cada vez mais horror a ir ao cinema: a cabeça.”

Dito assim deslocadamente, soa presunçoso, mas não se engane, é só olharmos a data em que foi escrito e nos lembraremos que aquela era a época em que Carla Perez esfregava seu útero e adjacências em nossas tardes de domingos e em qualquer outro horário ou dia. Ponto, novo parágrafo, urgente.

Ruy Castro fala com propriedade e não somente sobre estes tempos. Há Bette Davis, Kubrick et voilá , muito do cinema norte-americano. Aqui Hollywood é analisada sem distanciamento, como as lembranças de um Salvatore em “Cinema Paradiso”, mas sem cair na nostalgia acrítica.

“Um filme é para sempre” é um livro gestado em mais de três décadas de redações jornalísticas. Mas nem por isso datado ou menos rigoroso. Esse tipo de rigor em momento algum pode ser confundido com rigidez, mas sim com paixão por aquilo e aqueles que são imortais e que de uma forma ou de outra, mudaram nossas vidas. Aliás, seu título fala muito disso. “Um filme é para sempre” obviamente diz respeito à clássica frase “Diamonds are forever”, mas poderíamos associá-lo também e com igual justeza, a um dos mais famosos versos em língua inglesa. Aquele de John Keats, poeta britânico que viveu breves 26 anos, menos o que tempo de gestação desta obra: “A thing of beauty is a joy forever”. Entre elas estão este belo livro.