quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Apuds autorizados


"Quando finalmente me levantei... e aprendi a caminhar novamente, apanhei um espelho e me dirigi a um outro maior, fixo, para me olhar, sozinha. Eu não queria que ninguém soubesse como me sentia ao me ver pela primeira vez. Mas não houve barulho nem choro; não gritei de raiva quando me vi. Simplesmente fiquei estarrecida. Aquela pessoa no espelho não poderia ser eu. Eu me sentia por dentro como uma pessoa comum, feliz, saudável - não como aquela que eu via! Ainda assim, quando virei o rosto para o espelho, lá estavam meus próprios olhos olhando para trás, ardentes de vergonha... quando não chorei nem tampouco fiz qualquer barulho, tornou-se impossível para mim falar sobre isto com alguém, e a confusão e o pânico provocados por minha descoberta foram trancados dentro de mim para encará-la sozinha, durante muito tempo ainda."

“Aos poucos esqueci o que havia visto no espelho. Aquilo não podia penetrar no interior de minha mente e converter-me em parte integral de mim. Sentia-me como se não houvesse nada comigo; era apenas um disfarce. Mas não era o tipo de disfarce que é voluntariamente colocado pela pessoa que a usa com o objetivo de confundir os outros sobre sua identidade. Meu disfarce foi posto em mim sem o meu consentimento ou conhecimento, como ocorre nos contos de fadas e foi a mim mesma que ele confundiu quanto a minha própria identidade. Eu me olhava no espelho e era tomada de horror porque não me reconhecia. No lugar em que me encontrava, com aquela exaltação romântica persistente em mim, como se eu fosse uma pessoa favorecida e afortunada para quem tudo era possível, eu via uma figura estranha, pequena, lastimável, horrenda e um rosto que se tornava, quando eu o olhava fixamente, doloroso e vermelho de vergonha. Era só um disfarce mas estava em mim para o resto da vida. Estava lá, estava lá, era real. Cada um desses encontros era como uma espécie de explosão na cabeça. Eles deixavam-me sempre entorpecida, muda e insensível até que, aos poucos, obstinadamente, a forte ilusão de bem-estar e beleza pessoal voltava a me invadir: eu esquecia a irrelevante realidade e ficava despreparada e vulnerável novamente.”



[GOFFMAN,E. Estigma: notas sobre a manipulação da Identidade Deteriorada. RJ: Guanabara, 1988. p. 17-18]