terça-feira, 6 de julho de 2010

Retomando Arenas

No meidomundo, escolhi como companhia destes dias o inacreditável Texto do "Cubano lindo" Reinaldo Arenas. Sua autobiografia intitulada: "Antes que anoiteça" [e transformada em filme sob o título Antes do Anoitecer] é considerada por Caio Fernando Abreu um dos 3 livros mais pungentes que o escritor gaúcho lera. E ninguém melhor do que Caio F. [editei a crônica]para introduzir este Cubano sangrante:

UM UIVO EM MEMÓRIA DE REINALDO ARENAS
Por: Caio Fernando Abreu

Acaba de ser lançado no Brasil [1994] um dos livros mais belos que conheço: Antes que anoiteça (Editora Record), autobiografia do cubano Reinaldo Arenas. “Belo” não seria o adjetivo exato. Pungente talvez, pois comove e rasga. Destemido, dilacerado, desesperado e sobretudo vivo de vida pulsante, sangrenta. Em chagas, tão impudicamente exposto. Mas adjetivos pouco importam. Importa o livro, a vida crua que ele revela. [...] Foi numa noite de tempestade, loucas gaivotas batiam-se contra as vidraças do terraço. Insone fiquei lendo Méditations de Saint -Nazaire, de Arenas, que só vagamente conhecia (Celestino antes dei alba, El mundo alucinante).

Impressionado com o texto, decorei suas últimas palavras: “Aún nossie ete El sitio dondeyo puedavivir. Talvez para um desterrado — como la palabra lo indica — no hayasitio en la Tíerra. Sólo quiera pedirle a ete cielo resplandecientey a este mar, que poruno días aúnpodré contemplar, que acojan mi terror”. Repeti feito oração, e dormi. [...]

Sua autobiografia, este Antes que anoiteça. Consegui o livro em francês e em Paris, num quartinho alugado com Dominique Bach, produtora da cantora cabo-verdiana Cesária Évora, durante um fevereiro gelado, no coração da barra pesada de Château d’Eau, mastiguei suas últimas palavras como se fossem cacos de vidro. Não suportava ler, nem conseguia parar. Jamais sofri tanto com um livro — nem mesmo Fome, de Knut Hamsum, ou A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói.
(ANTES DO ANOITECER, O FILME estrelado por Javier Bardem)
Leiam também vocês se não têm medo da dor e da verdade. Censurado, perseguido e preso em Cuba por homossexualismo, Arenas fugiu para Miami, primeira estação do seu calvário de solidão e exílio, dedicando-se a desmascarar figurões tipo García Márquez, Severo Sarduy, Eduardo Galeano, Julio Cortázar e outros asseclas de Fidel Castro, que odiava. Livra a cara de pouco — Lezama Lima e Virgilio Piuiera, malditos (e grandes) como ele. Transbordava amor: à vida, aos rapazes, à literatura.

Voltando ao Brasil, tentei traduzi-lo. Ninguém quis. Muito deprimente, diziam, pouco comercial. Mas como o Deus das Laikas (e Arenas foi a maior de todas) tarda mas não falha, saiu agora. Leiam. Pelo bravo homem que ele foi, e também para aprender a valorizar o que se tem, mas não se preza. Depois uivem para o infinito em memória desse cubano lindo, desventurado, heróico. Requiem scat in pace, hermoso compafíero

O Estado de S Paulo, 27/11/1994