domingo, 26 de setembro de 2010

Meditação

“O amor, o sorriso e a flor se transformam depressa demais”.


A memória trai. Claro que ela, traiçoeira e seletiva, embeleza o passado. Recente ou não. Quando se olha para trás levado, por exemplo, por uma música. Como acontece agora ao ouvir “Meditação” na voz de Caetano Veloso, me lembro do tempo do mestrado. E é interessante perceber que naquela época já olhava para trás e me perguntava “será que como agora olharei um dia para hoje e sentirei saudades disso?

Pois bem, eis que o dia chegou. Saudade.

Mas saudades assim só funcionam involuntárias, como agora, Caetano cantando e a sensação gostosa daquela espera por “onde andará Dulce Veiga?” Uma vaga metáfora da procura de si. O que quer que isto significasse. [Outra coisa: ao ver ontem Bergman nos seus gritos e sussurros. Dei uma risada deslocada, como de costume, pois percebi que em "Metáfora", filme dentro do filme "Dulce Veiga", o diretor utilizou um pouco da estética conceitual sueca para brincar com o gênero. Enfim.]

A memória invade e quando isso ocorre é correr para o computador antes que a excitação do momento passei. Quase dois anos atrás desenvolvi um post [clique aqui] contando a via sacra de 12 estações até este filme que odiei e amei com tanta veemência. É terrível. E lindo em todo o seu trash noir. E daqueles doze momentos ficaram faltando os dois últimos que nunca postei, como tantos outros posts deixei incompleto prometendo voltar. A vontade nunca se pôs de volta até agora, com Caetano dizendo assim “quem na solidão procurou um caminho e seguiu já descrente de um dia feliz”. Jogo com esta vontade. Volto logo. Pausa pra cassar memórias e pra desafiar essa fluida vontade. [este post está estranhamente mais egóico que os de costume.] Volto já.

Voltei. Ficou assim:

11ª estação: o engano.
Acordo numa manhã de sábado para atravessar a cidade e ver a estréia de Dulce Veiga às 10 horas. Caminho, parada, ônibus. Pensando naquele dizer de Arnaldo Jabor [e o leitor perceberá que aquilo marcou muito pois é melancolicamente recorrente quano escrevo sobre cinema] que antigamente o cinema modificava vidas, definia rumos políticos, etc. Hoje nem mesmo os magistrais [eles ainda existem?] não conseguem romper os seletos círculos de iniciados e até mesmo os blockbusters viram apenas a novidade da semana, não mais que isto. Chego ao North shopping. O trânsito próximo às salas de exibição não parecem bem intenso. Me aproximo. A bilheteria fechada. Ainda? A esta hora? Confiro no relógio. O tempo passa. Ninguém cega. A sensação de frustração crescente. Compro uma hora de computador para confirmar horários. E localizo meu engano. Por conta de uma digitação mal feita no site da distribuidora percebo que na verdade aquela sessão seria no Shopping Iguatemi. Volto pra casa sem Dulce. Me programo para a segunda feira à noite.

12ª estação: encontrando Dulce
Chego mais uma vez sozinho para ver Dulce. Localizo o cartaz. É aqui. Finalmente. Tiro foto, compro o ingresso. Cheguei tão cedo que decido descer para Siciliano e ficar lendo. Encontro Diego meu primo e me sinto meio excêntrico. Em plena segunda feira para ver um filme que “ninguém” assistirá e eu sozinho. A suposição tinha fundamento, pois dos quase 140 lugares da gigantesca sala, lembro que comigo havia apenas mais três pessoas vendo a sessão. Todos se sentaram quase juntos e tive a súbita visão de alguém invadindo a sala e matando-nos.
O filme: início picotado, não está no livro. Voz em off transcrevendo literalmente o que narrador dizia no livro, Ele, o narrador, que na película ganha nome: Caio Almeida Prado. Final do filme: Não tenho bases para um julgamento minimenante distanciado ou para emitir opiniões sobre o que acabo dever. Estou emocionado. E rapidamente após a sessão escrevo para um amigo uma sms:
“Dear vi Dulce V. Adorei e odiei. É possível? De certa forma finaliza 1 tipo de ciclo iniciado com Dama da noite e o mestrado. Bj”

Epílogo:

Eu assistindo Dulce Veiga pelo Youtube em maio de 2010 em pleno "Le Cafe" no Shopping Carri. é uma manhã de sábado. Revejo o feliz final descaradamente "inspirado" no filme francês "Guarda-chuvas do Amor"
"... Revelou o caminho do amor e a tristeza acabou."