quinta-feira, 17 de junho de 2010

Champanhe e cicuta



Lendo a Bravo especial CAZUZA lembrei dum texto meu publicado no blog do Crato que celebra (e defende)o poeta maldito:


Em defesa do poeta
Essa velha mania nossa de querer um bode expiatório, um cordeiro para ser imolado. Para se dizer: “vejam a culpa está aqui!”.

Não posso me furtar de dar opinião sobre o artigo da psicóloga K. ao ver o filme “Cazuza, o tempo não para”. Compreendo e compartilho de muitas preocupações da Doutora, pois tenho uma irmã em plena adolescência. Entretanto, o que K. chama de “coragem” me parece mais desinformação ou ausência de acuidade estética ao ratificar as palavras do Juiz Darlan sobre o poeta que revolucionou mais que a música, a literatura popular Brasileira.

Cazuza, como homem de seu tempo, atingiu picos de genialidade onde poucos, pouquíssimos estiveram. Só comparável aos outros gigantescos de sua geração como Ana Cristina César e Torquato Neto. Então “vamos pedir piedade, Senhor piedade”. Ok, ele era burguês. Ok ele teve momentos menos inspirados (“sou rico mas sou artista”). Mas isso não o desqualifica como, nas palavras de Caetano, o maior poeta e um dos maiores narradores dos anos 1980.
Caio e Cazuza: dois grandes narradores dos anos 1980

Homem das letras, Cazuza mostrou que genialidade não tem origem social, nem idade e com suas antenas afiadíssimas captou a vida nua, “escrota e deslumbrante”. Percebeu o desencanto dos grandes movimentos sociais (“meu partido é um coração partido”), a ressaca da liberação sexual dos anos 1970 (“eu vi a cara da morte e ela estava viva”) e a desigualdade de classe ( “num trem pras estrelas, depois de navios negreiros outras correntezas”). Mas claro que numa sociedade onde tudo é esperado de forma pronta e acabada para ser consumido sem conflitos nem contradições Cazuza está por fora. Numa sociedade onde esperam ilusórias soluções mirabolantes e definitivas [e moralistas] para as mazelas sociais Cazuza é apenas mais um marginal. Porque o poeta atormenta, faz pensar, exige raciocínios que não sejam rasos. E nos mostra: não há soluções fáceis.

Num mundo anestesiado pelo consumo também fácil, sentir faz medo. Queremos coerência. Tudo lavado e perfumado (mais uma vez, digo) pronto para ser consumido, descartável e livre de contradições. Uma sociedade anestesiada pelo Prozac, por auto-ajuda ou pela crença no recrudescimento da violência do Estado.
Claro, não há de se fazer vista grossa para as drogas. Mas elas não estariam inseridas numa dinâmica bem maior e mais complexa? Dinâmica na qual se pretende a todo custo preenchendo uma espécie de vazio cavado pela solidão do homem contemporâneo? O impulso do consumo do crack não parece semelhante aos nossos impulsos diante de uma vitrine de Shopping? Me parece assustador quando queremos substituir a nata de nossos pensadores por slogans de COMERCIAL de carro. Por favor, mais Platão menos consumo. Além do mais, em que medida o tráfico de drogas se torna fundamental para a manutenção do capital? São questões grandes que transcendem Cazuza. Mas reduzir Cazuza a Fernandinho Beira Mar é desqualificar uma das poucas áreas da vida que continuam resistindo ao Capital e à mercantilização das relações: a arte. Como dizia o filósofo Italiano Benedetto Croce “a arte é educadora enquanto arte e não enquanto arte educadora”. Nada de amarras para a arte. Sem didatismos. Vida longa a Cazuza. “Dia sim dia não eu vou sobrevivendo sem um arranhão da caridade de quem me detesta”.

Alexandre Sousa. Professor, Mestre em Políticas Públicas.
(Originalmente publicado no Blog do crato: http://blogdocrato.blogspot.com/2009_11_26_archive.html)