quarta-feira, 16 de junho de 2010

Quero Virgínia, quero Quentin e quero Bivar.


Degusto com cuidado e carinho os diários de Antônio Bivar sobre suas experiências de visita às memórias do Bloomsbury entre 1993 e 2004 na Inglaterra. Estou capturado e é possível que este blog se torne nos próximos dias/ semanas um relato sobre as minhas viagens nos relatos do escritor apaixonado, assim como eu, por Virginia Woolf.
Estou apenas na 43 das mais de 500 páginas da obra e já deu pra sentir o impacto. Bivar te transporta numa leitura leve e ao mesmo tempo segura, sobre impressões e conceitos, etnografia sentimental e análises cirúrgicas. Sinto um misto de inveja e maravilhamento. Como no trecho em que narra seu primeiro [e raro] encontro com Quentin Bell ainda em 1993. Transcrevo uma parte:

Ao passar pela sala e avistar a mítica figura de Quentin Bell, sentado em sua poltrona, senti uma fortíssima emoção [...] Foi uma visão rápida e impactante [...] apresentei-me como o único latino-americano do grupo. Contei que a biografia dele sobre Virgínia tinha uma boa tradução brasileira e Quentin, com a discreta modéstia dos superiores, disse que sabia que os livros de Virginia estavam traduzidos em português [...] Quentin está com 83 anos [...] Ele, filho de duas figuras formadoras do Boomsbury, crescido no coração dessa matéria, parecia não sacralizá-la. O tempo todo ironiza, como que para nos fazer ver que ninguém era excepcional [...] Na despedida segurei a mão dele e ele apertou gentilmente a minha. Ficamos assim de mãos dadas, olhos nos olhos e, muito emocionado, falei que ia voltar para o Brasil mais feliz por tê-lo conhecido, ele abriu um sorriso de surpresa [...] Deixei a casa dos Bells como quem acabava de passar por uma experiência divina” (p. 34- 36).

Os trechos estão editados para não tirar o prazer de quem se interessar pela leitura na íntegra. Mas é incrível como o universo do Bloomsbery, e de Virginia em particular, leva a gente a um auto-fluxo de consciência. Imediatamente me lembrei de um trecho de um texto meu sobre o Caio em que eu dizia:
“Morangos Mofados. Seco assim: sem referências a autor, nem editora. Nada. Sem Caio: Sem a Clarice Lispector que ouviu muito Rock e tomou algumas drogas. Sem as bad trips, sem as cartas, sem dragões, sem a prisão por roubar na Inglaterra os dois volumes da biografia de Virginia Woolf (aliás também, ainda não havia para mim Virginia Woolf) escrita por Quentin Bell.” (Texto “morangos nervosos” disponível no overmundo.com.br).


[Breve parêntese: Caio, apelidado por Bivar como “um príncipe normando”, em seu auto-exílio na Inglaterra durante os anos de 1970 foi preso por roubar numa livraria, como disse acima, o livro redigido pelo biógrafo-sobrinho de Virgínia. Este relato pode ser encontrado tanto na compilação de cartas do escritor gaúcho organizada pelo Ítalo Moricconi como de forma friccionada no conto “lixo e purpurina” da obra “ovelhas negras”. Desde então, ainda segundo uma das cartas, Virginia Woolf passou a ser a “madrinha” de Caio, recebendo diversas homenagens em seus textos e vida. Por exemplo, as personagens Márcia Felácio e Patrícia do romance “Onde andará Dulce Veiga” acreditam ser a reencarnação de Virgínia e Katharine Mansfield. Sem falar que por aquela época a máquina de escrever de Caio também se chamava Virginia Woolf, como nos informa uma crônica de Luis Fernando Emediato publicada em “A grande Ilusão”.]

E lembrei ainda de um textinho bem insipiente que escrevi há uns dois anos quando comecei a me envolver com Mrs. Woolf e seu bando:

Bloomsbury, Bush e a Carapinima: http://publicoflutuante.blogspot.com/2008/10/bloomsbury-bush-e-carapinima.html

Bloomsbury: Bairro no Centro-oeste de Londres que deu origem ao célebre grupo com o mesmo nome. Era um ponto de encontro entre intelectuais, escritores e artistas na primeira metade do século XX.

Trilha Sonora da leitura: Carla Bruni CD “No promeses”