terça-feira, 22 de julho de 2008

"A" cultura cearence não existe.

Há dois meses a “prima pobre” das políticas públicas teve um importante momento de visibilidade. Foi criada a “comissão de defesa da cultura cearense” na Assembléia Legislativa. O que é para ser comemorado como um marco em nosso estado, deve também ser visto com atenção e cuidado. Principalmente se compreendermos que não existe “a” cultura cearense no singular.
Partir da lógica de defesa de uma singularidade pressupõe a inevitável pergunta: resguardar a cultura de quê ou de quem? A lógica da “defesa” parece reatualizar o princípio de conservação de uma essência culturalista ficticiamente pura. Dentro deste esquema de defesa do que “é” cearense o que seria, por exemplo, essencialmente "nossa" música?




O pós-pós-tropicalismo de Karine Alexandrino?















O som das bandas cabaçais?














O eletro punk do Montage?










Ou a ditadura do forró-acrobático?

Nessa nossa realidade latino-americana, onde elementos de pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade se hibridizam, não fazem sentido as antigas classificações estanques entre o tradicional e o moderno, o erudito e o popular ou o legítimo e o “fabricado”. Sob o risco de aderirmos, ainda que sem perceber, a fundamentalismos puristas ou a novos-velhos romantismos nostálgicos que propõem o retorno à “verdadeira” – e fictícia- singularidade da cultura cearense.
Há ainda necessidade de enxergarmos a cultura não apenas como sinônimo [apenas] das artes. Neste sentido é inadiável o debate sobre a interlocução que ela estabelece com as diversas mídias e o cotidiano dos cearenses.
Se os gestores não perceberem essa intersetorialidade imediata entre secretarias ou ministérios continuaremos passando ao largo de processos significativos que promovem a interlocução entre a cultura, a mídia e a educação. Numa sociedade onde a aquisição do conhecimento está cada vez mais descentrada – mas não fora- do livro e da escola é fundamental a adesão às novas tecnologias. Não que a simples incorporação das mídias nas pautas culturais vá por si promover transformações estruturais na sociedade mas no sentido de promover processos criativos e críticos para, com e através dos meios.

Enfim, se é necessária uma defesa, que defendamos a multiplicidade de vozes, nem sempre convergentes, que constroem as culturas cearenses. E sempre tendo em vista que, como disse Hannah Arendt, sem o espaço público que dê visibilidade a essas vozes, a liberdade de expressão equivale à liberdade do louco. Defendamos, portanto a permanente criação de arenas públicas nas quais sejam disputados e reinventados os significados e consensos –sempre provisórios- acerca das “cearensidades”. Os orçamentos participativos de cultura e a constituinte cultual parecem caminhar neste sentido.
Talvez um dos passos mais significativos de fomento desta nossa “pobre prima” seja a compreensão de que as culturas cearenses não cabem na cultura cearense, pelo menos não no singular.