sexta-feira, 18 de julho de 2008

Francisco para além do Bem e do MAL



Sábado último a Rede Globo exibiu o inédito na TV ( mas não nas bancas dos camelôs) “Dois filhos de Francisco”. Confesso algumas coisas:
(*)Que preferia estar fazendo algo mais interessante do que terminar o sábado rendido ao Supercine.
(*)Que já havia assistido o filme anteriormente
(*)E que mais uma vez assisti e me emocionei

Seria mais um comentário piegas se este filme não me lembrasse profundamente aquela idéia do único livro do Nietzche que li até agora : Para além do Bem e do Mal. Olhares mais desatentos e igualmente pré-conceituosos poderiam reduzir aquela obra ao slogan “Eu sou brasileiro e não desisto nunca” e aquela pieguice melodramática da ascensão social como saída individual para a invisibilidade da pobreza (ah Marcuse... tão antigo e de certa forma, de outra forma, tão atual).
O que me espanta nesse filme e que me arranca algumas lágrimas, até odiosamente involuntárias, constrangidas, é a mesma sensação que tinha quando via Daiane dos Santos dançar.
Adjetivar Daiane como boa, excelente, excepcional é reduzí-la. Chamar a história de Zezé de Camargo e Luciano de triste, vencedora ou enquadrar o tal Francisco como perverso, malvado ou iluminadamente bondoso, é flagrantemente In-su-fi-ci-en-te.. E isso não tem nada a ver com a música da dupla (para a qual, eu desde a infância fazia cara feia e hoje, com a possibilidade –anteriormente negada- de evitá-la osmoticamente, simplesmente não ouço).

Para captar a dura realidade desses Brasis cuja “dor não sai no jornal” (já dizia Chico) SÓ e Somente só um Filósofo do tamanho do Bigodudo.
Quem for politicamente correto pule esse parágrafo: Ver aquele ponto preto, abaixo da estatura, fora da idade adequada, nascido num país no qual esporte é sinônimo apenas de futebol, inventar um “duplo twist escarpado” ao só de brasileirinho, num esporte dominados por mocinhas romenas branquelas e sem graça É PARA ALÉM DO BEM, DO BOM , DO BUM E DO MAL. É a flagrante e dilacerante vida que insiste em pulsar e transgredir as amarras de classe, etnia e nacionalidade. É o corpo abjeto, penetra que, como dizia Gonzaguinha “se está de pé é de teimoso”. Em uma palavra: SUPERAÇÃO



Ok, ok. Pode parecer um pouco nacionalista, complexo terceiro-mundista de inferioridade, OK eu li muito Marx, mas ver a história daqueles meninos, tão parecidas com muitas e tantas outras histórias ouvidas por quem vive nessas bandas “de cima” do Brasil, me faz pensar nas centenas de milhares de Daianes que escoam seus talentos ainda hoje trabalhando como domésticas em “casa de família” (tão antiga meu deus, essa conversa), nos Edsons Cordeiros que atrofiam seus gifts nas lavouras (o próprio só estudou até a 6ª série do ensino fundamental), e por aí vai. Como seria a história dos dois filhos sem as despirocagens de Francisco? Seriam realidades fílmicas? Se, por algum milagre a resposta fosse sim, eu não pagaria para ver. Lembro-me agora dos guerreiros atenienses e a obsessão (será que esse termo já existia naquela época?) por cruzarem a fronteira do cotidiano, do ordinário e adentrar a esfera do EXTRA-ordinário, da imortalidade (mas isso é pano para tecer outro post).

Outro verso de Chico (por que há Chico para todas as ocasiões) diz: “ e eu que não creio, peço a deus por minha gente, que é gente humilde que vontade de chorar”
Francisco não foi humilde, Ele pertence ao seleto grupo onde estão Clarice, Rimbaud, Joyce ou Artaud. Como disse Caio F. perseguiram o Sonho.
Não, Francisco não tinha fé. Por que a fé é baseada em aquilo que não se vê. Ele viu e acreditou. E pagou o preço (como os do hall acima) de ser chamado de doido, perturbado, indiretamente assassino.
Por que “A vida pulsa e a luta continua” – Caio F.