segunda-feira, 28 de julho de 2008

notas esparsas I: Santiago Nazarian em 3 tempos

Enquanto lia “A morte sem nome” de Santiago Nazarian, frases soltas de diversos pensadores (com as quais nem sempre concordo) cortavam o texto, de forma nem sempre delicada, do escritor paulista. Atualmente estou nos “funerais” da citada obra e posso dizer que talvez o pensador mais renitente que “atrapalhou” minha leitura foi o crítico de literatura húngaro Georg Lukács. Mais especificamente seu livro “Marxismo ou existencialismo?” Nele Lukács desce o sarrafo em Husserl, Heidegger, Jaspers e Sartre e em termos de literatura não poupa nem Oscar Wild “salvando” poucos como Ibsen, Tolstoi e Mann.

Corta para meu quarto: Lá estava eu na minha cama com Santiago Nazarian, e Lukács insistindo em fazer um threesome literário dizendo:

“O homem que vive num mundo fetichizado não pode vencer o vazio interior senão por uma espécie de embriaguez contínua, assim como o morfinômano não vê saída senão no aumento da dose, quando seria o caso para ele de organizar sua vida de tal maneira que não tivesse mais necessidade de seu veneno. Eis por que o homem que vive num mundo fetichizado não poderia reconhecer que foi a perda de todo contato com a vida pública, a reificação do processo de trabalho, o desligamento do indivíduo da vida social – conseqüência da divisão capitalista do trabalho – que lhe inspirou a necessidade de embriaguez permanente... a fuga para a interioridade leva a um impasse tragicômico”.

Não vou aqui entrar no mérito do finado “realismo socialista” tanto porque dá pano pra manga (e eu não estou com tempo de divagar) como porque tou sem vontade meeeeeeeeeeesmo. Resta lembrar que na prática, tal método que conclamava a adesão á vida pública e às questões sociais acabou colocando as mentes dos escritores dentro de formas de rapadura (terá havido rapadura no Leste europeu?). Como estou podre de preguiça transcrevo trecho de carta de Caio Fernando Abreu pra Hilda Hilst sobre o assunto:

“Semana passada vieram [para França] – imagine- 15 escritores da Lituânia., Estônia e Letônia, para palestras e debates. Inacreditável: depois de 50 anos com a pata russa em cima deles, ainda têm aqueles conceitos do realismo socialista, de literatura ‘engajada’, etc. Fiquei pensando no que diriam de Lory lamby...”

Preciso dizer que de forma alguma estou desvalorizando a necessidade de intervenção na Questão Social e de na esfera pública (afinal sou um gramsciano e portanto, por tabela, dinossauricamente marxista). Entretanto aquela experiência histórica demonstrou que no campo das artes a criação de padrões é perigosa. (E já estou eu aqui divagando. Resisto à tentação e encerro parágrafo com Benedeto Croce – filósofo italiano polemizador de Gramsci- : a arte é educador enquanto arte. E não enquanto arte educadora. Poderia acabar aqui. Mas voltemos a Nazarian)

Lukács, mais a frente ainda naquela obra, vai acusar a arte daqueles escritores afirmando que tais relatos não falam ontologicamente de qualquer realidade última mas são “simplesmente um documento revelador do universo intelectual e sentimental de uma classe social de uma época”.
Discordo do “simplesmente” do marxista húngaro. Não acho que o feito de captar o mood de uma época seja simplesmente um “simplesmente”. Os atuais escritos de Nazarian dão muito pano pra manga e para entender a juventude contemporânea (e utilizo juventude pela falta de outro termo pq sinceramente... não há nada mais antigo que “juventude”).


Mas o que tem a ver Lukács com Nazarian?
Sim as personagens de “A morte sem nome” são desenraizadas e embriagadas. Mas não seria essa um característica fundamental do contemporâneo? Minha avaliação é que Santiago, Assim como seu – e meu- admirado João Gilberto Noll falam do Zeitgeist. O espírito de nosso tempo. Ou seja, falam daquilo que o tradutor de Noll para o inglês chamou, acertando o cerne, de “o real insuficiente”.

Impossível também não lembrar, quando leio Nazarian –e apesar da imaturidade compreensível de seu texto – de Samuel Beckett quando fala acerca do esgotamento das narrativas: “nada a expressar, nada com que expressar, nada a partir do que expressar, nenhuma possibilidade de expressar, nenhum desejo de expressar, aliado à obrigação de expressar”.

E é nesse deserto que Santiago e suas personagens ressaqueadas transitam e se saem “bem”. Ainda sem saco para desenvolver eu diria e recomendaria (ou não) a leitura do livro “Bem vindo ao deserto do Real” do filósofo Esloveno Slavoj Zizek.

É um livro sobre como nos relacionamos com o Real (em maiúsculo em referência a um dos três registros de Lacan: o Real, o Simbólico e o Imaginário, sei que é meio pedante deixar isso assim, solto, mas retorno ao freudiano em outro momento)

De imediato o que interessa e lembra na narrativa de Santiago está o que Zizek chama de “paixão pelo Real”.

No livro de Santiago Lorena vive uma virtualidade. Como nos jogos de vídeo game, a narradora-protagonista possui infinitos “lifes”. É como se o jogador/ narrador tivesse descoberto o código/ a senha para a eternidade (note-se que falo em eternidade –assim como a dos vampiros- e não imortalidade, resisto, penso em Hannah Arendt, volto:) e a partir de então estivesse pronta para derramar deliciosamente e sem culpas o seu sangue.

Essa postura para Zizek revela a nossa paradoxal “paixão pelo real”: incapazes de simbolizar,vamos direto ao ato, como no filme “Aos treze” de (Catherine Hardwicker, EUA, 2003) buscamos a experiência radical de cortar a pele e ver o sangue escorrer, ou há ainda aqueles que buscam praticar barebacking na roleta russo de portadores ou não do HIV para manter relações com eles e experiemntar, no corpo, a sensação que poderá lhes fazer “vivos” justamente pelo risco da contaminação. O que se busca? A resposta de Zizek é “basear o ego na realidade do corpo contra a angústia de sentir-se inexistente”. Apenas a morte de Lourena é capaz de confirmar que ela está viva.

Há ainda outras temáticas interessantíssimas encontradas neste texto: a geração pós-AIDS e o elogio ao sangue. Mesmo sangue que é bebido anonimamente por seres como Vampiros, que como disse anteriormente, são privados, eternos pq vivem ininterruptamente mas não são imortais pq estão apartados do espaço público. Há ainda outras características de romance-vídeo game, além dos lifes, a personagem se transmuta, escorre por ralos, sobrevive sem trabalhar, comprar roupas, comida, etc.–possui, portanto, o tal “life” sempre cheio. E por falar em comida, esta, quando aparece sempre tem características repugnantes, revelando outra característica do nosso tempo: a bulimia, anorexia.


A narrativa de Santiago [neste livro] é uma promessa. Como ele diz no seu blog: Ele quer confeitar o confeito. E talvez aí residam alguns pecados de seu texto. A opção pela linguagem derramada, cadenciada, quase musical deixa por vezes um gosto meio óbvio nas páginas. Chegando a algumas seqüências de frases serem concretamente previsíveis.

O fato é que o blog de Santiago é peça fundamental para compreensão mais totalizante de sua obra. Como ele disse em uma entrevista. As pessoas confundem as personagens com o criador (“Não leve personagem pra cama, pode acabar sendo fatal”). Como diziaRITA HAYWORTH: Os homens se decepcionam porque domem com Gilda e acordam comigo. Santiago diz não ser adepto de hard sex, só sangra um pouquinho (e isso lhe valeu até o título de escritor fofo) e é muito carinhoso.
Qualquer semelhança com a segunda do século XVIII não é mera coincidência. Lá os jovens de posses sofriam do “mal do século” , fumavam ópio e escarravam sangue, discretamente, num lenço Branco e de Seda. E como lembra Emediato eles eram pálidos como os de hoje, matando-se de amor ao ler o Wether do Goethe. Ao contrário disso, o próprio Goethe aos 80 anos ainda se divertia comendo camareiras, pândegos e bonachões.

Hahahahahahahaha! Ler Santiago é fazer esta disjunção entre o literal e o literário pois o escritor ao mesmo tempo em que caminha por essas searas hard, do desapego, do nomadismo na vida real mostra ser o típico operário “padrão” da acumulação capitalista flexível (volto a este tema e sei que frase é aparentemente incoerente pois supostamente não há padrão no flexível ). Ou seja, talvez sem perceber Nazarian põe em pauta a paralisia do pensamento que leva seus personagens (e também eu, você ) ao ato imediato diante do fluxo vertiginoso do contemporâneo.

Enfim, para um criador é perigoso racionalizar sua obra. Lembro que ao terminar de escrever a biografia de Genet, Sartre entregou os únicos manuscritos para passarem pelo crivo do autor de o diário de um ladrão”. Genet poderia ter ateado fogo nela, desaparecido ou simplesmente não ter permitido a publicação. Entretanto, ao ler análise do existencialista o mal já estava feito. Sartre “curara”/ “explicara” todos os demônios de Genet naquelas mais de quinhentas páginas. Resultado: Genet não escreveria mais uma linha a partir de então.

Santiago Nazarian ainda tem muito pano para manga e eu já estou pronto para o prédio, o tédio e pro menino cego.