quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Vagos exercícios ficcionais

Exercício I
Havia certa solenidade atípica no ar. O fluxo tópico de sensações não impedia que abrisse portas, adentrasse varandas e sem arroubos emocionais contemplasse as duas chaminés de uma fábrica das quais saiam tufos de fumaça que enegreciam os azulejos brancos das paredes expostas. Exaustas. Caminha devagar sobre os azulejos limpos apenas semana passada. Sente o mesmo pó negro debaixo das solas de seus pés amarelados. Pigmentos, aprendera na aula de biologia.

Exercício II
A verdade é que se conheciam vagamente. Talvez por não serem daquelas pessoas que deixam rastros memoráveis, registráveis. Não estavam exatamente à mercê dos holofotes. Encontros após o trabalho ou a faculdade no final do dia, filmes alternativos no cine-clube sábado à tarde. Telefonemas com constrangidos e apressados “eu te amo” nos primeiros meses. A vida, tal qual a de Ivan Ilitch, seguia leve e despretensiosa não fosse a angústia da finitude sábado à noite em casa ou (oh deus) também fora ela. Um deles seria sartreano não se fosse tão ligado às questões – o outro lembrava – chamadas de sociais. O outro seria marxista se não divagasse tanto por becos do que neste tipo de visão de mundo se convencionou chamar de atitude pequeno-burguesa. Também não caiam no fetiche da terceira via. Eram jovens. Talvez um pouco velhos para suas idades. Talvez um pouco ultrapassados se valendo de termos pré-queda do muro...
Alguns encontros em tempos de descompromisso selaram. (se é que a palavras é esta) Mas selaram o quê? Tempo daquela miopia que somente quem não possui a verdadeira imagem como deveria ser: aquela coisa meio engaçada por não ver o outro. Aliás, este também era assunto explícito de suas conversas, apesar de estarem sempre presentes. A vida correndo. O aquecimento global. A vida. De qualquer forma, a vida.