(Post retrô. Ao som de Teresa Cristina cantando “a música de Paulinho da Viola”).
Sempre ia passar as férias escolares do meio do ano na casa da minha avó materna. Certo ano, acho que em 1998, quando eu tinha 15 anos fiquei bem próximo do Gabriel. Ele tinha uma biblioteca infinita. Em uma de nossas tardes de conversa disse que eu escolhesse um livro para ler. Não me pergunte porque, selecionei “memórias póstumas de Brás Cubas.” Lembro também de um certo tom de desapontamento no rosto do recente amigo. Algo que dizia: “tão didático. Tão óbvio”.[ Não posso dizer que foi uma leitura agradável. Apesar de não lembrar de uma linha sequer da obra, rememoro que a travessia do meu primeiro Machado foi espinhosa. Mas tinha que ler para, de certa como dizem os livros de inglês: “keep a conversation going”].
Devolvido o livro, Gabriel já havia separado outro para mim: “A peste” de Albert Camus. Ao me entregar a obra começou a divagar sobre temas que não faziam o menor sentido para mim. E no final ele dizia assim: “mas não sei porque tou dizendo isto, claro que você já sabe disso tudo”. Neste momento, eu que nem a conhecia e nem sei se o livro já havia sido escrito, afetava o meu melhor sorriso [complacente] de “Bridget Jones” em sinal de concordância.
[o, então, ilustre desconhecido Albert Camus]
Devorei a obra de Camus [a edição era luxuosíssima]. Sem suporte de existencialismo cristão ou ateu, a peste era uma peste, as pessoas que morriam, morriam mesmo realistamente sem metáfora nenhuma.
Claro, ainda não havia para mim Sartre, Simone, nada disso.
Muito tempo depois saberia que a peste era uma alusão ao nazismo, que Camus romperia com Sartre e que hoje o primeiro é bem mais aceito que o segundo.
Bem, tudo isso eu lembrei ao ler (agora, agora) no Livro do Bivar:
“Duas grandes telas de Michel Serre (1658 - 1733) mostram a última grande peste européia, no caso, especificamente em Marseille: milhares de pessoas dizimadas [...] Uma delas, de nome “Vue de l’Hotel de ville pendant la pest” é impressionante. Gente se atirando das janelas do hotel[...] Interessante registrar também que depois, a caminho do outro museu, passamos pelo hotal de Ville, cenário da tela da “Peste” e o prédio está bem conservado, nem parece que há quase três séculos passou por aquilo que a tela mostra”