segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Billie, uma flor de cantora

“Quando Ella [Fitzgerard] canta que o homem dela foi embora, você pensa que Ele foi á esquina comprar cigarros. Mas, quando Lady [Billy Holliday] cantava a mesma frase, você podia ver o sujeito fazendo as malas, pegando o carro e indo embora para sempre” Tony Scotty citado por Ruy Castro em “Saudades do Século XX”



É lugar comum dizer que a musicalidade na obra do Caio F. é mais que uma adereço. Muitas vezes as propostas dos textos giram em torno de poesias ou mesmo de músicas sem prosa, como o [inesquecível] mote inicial de “Pela noite” com “Years of soletiude”.

Nesta rica seara uma das cantoras que mais aparece é Billie Holliday. Às vezes explicitamente como são os casos do próprio “Pela noite” e do romance “Onde andará Dulce Veiga” e às vezes implicitamente.

Quero falar deste implícito mas antes quero falar de Billie.
Em 1996 [14 anos] quando uma amiga [Lourene] me emprestou um cd com “o melhor do cinema”. No mesmo cd havia também outras preciosidades como “Age of Aquarius” do musical hair; Glen Miller; “the show must go on” e outras músicas fundamentais pra mim até hoje e "My man" da Lady.

O que parece soar mais engraçado é que a música de Billie ali era a que menos me interessava. “My man” soava estranhíssima. Aquela voz, como diz o Caio, que só se adquire após muitos cigarros e conhaques. Na verdade eu nem a ouvia.
Enfim, anos depois no AP. do Ailson ele disse que eu escolhesse um cd para tocar. Coloquei Billie. A cantora em suas gravações mais animadas, tipo “what a little moonlight can do” sempre me lembrava um pouco aquelas perseguições do Tom e Jerry. Enfim, me lembro que nesta época, acho que em 2005 [23 anos] já ouvia com certa constância nossa densa cantora. Fui direto em “The man I Love” que era de longe a minha preferida. Lembro que nesta hora o João Paulo me olhou incisivo e disse: “The man I Love? Que Folk” [afetei um sorriso e quando cheguei em casa procurei no dicionário o significado da palavra].

Tudo isso pra dizer que há um tempo,quando ouvia a versão de “the man I Love” na voz do Caetano [muito antes da novela, mas sim quando ele lançou o cd e foi entrevistado no fantástico pelo Zeca Camargo] Eu disse: “oxenti isso é uma fala da Flor de Dama!” Corro pro conto que deu origem à peça e está lá. A referência implícita. Olha só:

[Silvero Pereira em "Uma Flor de Dama" livremente inspirada no conto Dama da Noite do Caio]

No conto do Caio:
"Nem é você que eu espero, já te falei. Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar. Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir. Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite. Não por você, por outros ecmo você. Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor. Cuidado, comigo: um dia encontro."

Só por ele, por esse que ainda não veio

Na música [tradução minha]:
"Um dia ele vira/ O homem que eu amo/ Vai se mostrar grande e forte/ O homem que eu amo./ E quando vier em minha direção eu darei tudo de mim para fazê-lo permanecer/ Ele me olhará sorrindo/ E eu corresponderei/ E por um átimo de segundo segurará na minha mão/ e embora soe absurdo eu sei que ambos não diremos uma só palavra/
Talvez eu o encontre num domingo, talvez na segunda, talvez não/ Mas estou certo de encontrá-lo algum dia/ talvez na terça seja meu dia de sorte. Ele construirá um lar feito só para nós dois/ Eu nunca vou sair dali/ Quem sairia, você sairia?/ O futuro a Deus pertence/ Eu estou esperando/ pelo homem que eu amo."