segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Caio, Cunningham e Kieslowisk: irreversíveis
A emoção engasgada de Juliet Binoche ao longo de toda “a liberdade é azul” é.. angustiante. Você sente o nó. O desalento expresso em forma de silêncio. Mudez esta que é apenas momentaneamente rompida quando a personagem diz: “Agora entendi que só farei uma coisa. Nada. Não quero bens, presentes,amigos, amor ou vínculos. ISSO TUDO SÃO ARMADILHAS”
Rompido o silêncio, porém nem um pouco amenizado.
ATÉ que diante do choro da personagem, já no final do filme, você diz: ufa, finalmente.
Transforma-se o mood. Este se torna não menos angustiante, porém distinto. Uma sensação epifânica raríssima, que costumo chamar de “perplexidade diante da irreversibilidade da vida”, se instaura .
Tal sensação é de vez em quando captada por algumas almas sensíveis em raríssimos momentos. Kieslowisk é uma destas. Mas temos também, por exemplo o conto “Aqueles dois” do Caio quando o narrador diz:
“[Saul] começou a chorar sentindo-se só e pobre e feio e infeliz e confuso e abandonado e bêbado e triste, triste, triste”
Bem como no meu livro preferido do Michael Cunningham: “Flesh and Blood” [odeio o título em português: “laços de sangue”], o trecho e extenso mais valer a pena:
“Aconteceu com Will quando ele esqueceu o guarda-chuva. Ele saiu do apartamento de Harry de manhã, chegou à rua depois voltou. A porta estava aberta. Harry estava tocando sax no banheiro, um som rápido antes de se aprontar para trabalhar. Ele não ouviu Will entrar. Ele estava ali de cuecas e meias brancas, tocando. Will não reconheceu a melodia. E ficou observando da porta. Já vira Harry tocar inúmeras vezes, mas nunca desse jeito, nunca sem que ele soubesse que estava sendo observado. Assim alguam coisa havia mudado. Harry estava inclinado sobre o sax, de olhos fechados e apertados e com o rosto ruborizado. Will nunca o vira tão perdido em si mesmo, nem quando fazia sexo. Em sua têmpora pulsava uma veia grossa. Ele tocava bem, não de forma brilhante, mas estava mergulhado no seu som. Era um homem com início de barriga tocando saxofone num apartamento desarrumado, usando meias brancas e frouxas e cuecas folgadas, de listras, enquanto a chuva batia nas janelas. Só isso. Mas alguma coisa surgiu em Will. Ele nunca compreenderia o que era. Acreditava estar vendo a infância e a velhice de Harry, a curva completa da vida de Harry atravessando o quarto, nquele momento. Logo Will saiu de si mesmo e se juntou a Harry no moviemento e nos ruídos continuados que eram parte de ser Harry, e logo sentiu medo e esperança e alguma coisa mais de Harry. A soma dos dias dele. A sensaçã ode viver dentro do corpo dele, soprando música através do sax. Will permaneceu em silêncio. Não falou. Pegou o guarda-chuva que estava na sala e saiu.
Começou a sentir uma espécie de satisfação. Satisfação do pão e da conversa. As hora sde seus dias tomaram uma nova forma, mais quadrada, embrulahdas de forma mais densa. Vivia como ele mesmo e vivia como uma rapaz que era amado por Harry. A velha sensação flutuante parecia estar se afastando embora às vezes ocorresem fases de recaídas. Quando a sensação ia embora era uam alegria simles e um desapontamento novo. Esse desapontamento adejava ao redor do seu contentamento, persistente como uma abelha. Agora ele não estaria disponível para o homem perfeito, aqueles cujos músculos, com seu topor poderoso, faziam parar o tempo. Se esse homem existia – esse espírito alegre e volumoso- Will não encontraria porque havia encontrado este outro, um homem bom, com o cabelo rareando. Alguma coisa estava se casando com ele, alguma coisa estava se atando à sua carne. Sentia-se exultante e, com menos freqüência, desconsolado. Diversas vezes dormia com garotos belos, tolos, que conhecia em bares ou no ginásio. Comprou discos de jazz para Harry, um suéter de cashmere, tudoo que poderia acontecer, e papeis de carta na cor creme, da França. Preocupava-se com tudo o que poderia acontecer, todos os acidentes do mundo, e chorava, às vezes, por uam tristeza e uam felicidade a que não sabia dar nome”
Ufa. Tinha mais, mas fico por aqui. [Já havia publicado aqui outro trecho do livro, para ver clique aqui].