terça-feira, 26 de agosto de 2008
Filosofia de Caminhão para entender Clarice Lispector:
“O homem não se banha no mesmo rio duas vezes. Pois nem ele nem o rio são os mesmo”. É clichê, mas é a pura verdade. A frase de Epicuro (?) formulada nas remotas colinas gregas talvez tenha sido a primeira frase de caminhão da história da humanidade. Escrita (arrisco dizer) há uns 2500 anos quando nem Leonardo Da vince nem caminhão existiam (óbvio) esta talvez seja a epígrafe de todo leitor que revisita um texto anos depois.
Salto estrondoso no tempo direto para literatura comercial norte-americana dos anos de 1980. Esta tese é apresentada por Judith Guest em seu clássico-livro-comercial-adaptado-e-vencedor-do-Oscar “Gente como a Gente” (Ordinary People 1980, Dir: Harison Ford), talvez na mais bela (e menos melodramática) passagem do livro. Por sinal seu início:
"Para se ter uma razão para levantar de manhã, é preciso possuir um princípio qualquer, acreditar em alguma coisa. Um desses dizeres que se colocam nos pára-choques dos carros servem" - "Ordinary people" By: Judith Guest pg.09
Pois bem tive pensando nessas coisas ao reler alguns textos do Caio (e você dirá que eu não sei falar de outra coisa. Mas que se há de fazer? Há de se explorar a obsessão até vencê-la por esgotamento. Meu ou dela). Ler Caio é possuir uma escola de citações. Overdose de personas e personagens desconhecidas. Aplicado, quando estou com saco, sempre anoto nomes, filmes, livros, etc. para posterior pesquisa. E eis que 2 anos depois do meu reencontro (e paixão irremediável) com/pelo escritor gaúcho releio aquela novela “Bem longe de Marienbad” (escrita e publicada inicialmente na França, 1992, acho) percebo tantas diferenças. “Será que é a mesma versão?” Me pergunto para dar um tom de estranhamento em relação ao texto já lido. Fake, desde o começo sei que é o mesmo e que também não é o mesmo, assim como sem eu sou. Agora já sei quem é Fassbinder, Já vi Querelle, Descobri o que é Kaith Jarret.
E como estou dispersivo, dispersivo, e sonolento (madrugada em claro, olho o relógio, 05:35 da manhã com orientação da dissertação marcada para as 10:00, acho que chegarei com algumas olheiras) lembro-me de mais uma reminiscência e de como o texto forma o leitor e ao mesmo tempo, tempos depois quando se revê as mesmas linhas o escrito, assim como o rio, é outro. Agora corta para meus 17 anos e a primeira vez que li Clarice:
Lembro exatamente o primeiro conto de Mrs. Lispector que mexeu comigo. Era época de vestibular. Uma quinta-feira de 2000. Sei por que era noite e neste dia da semana eu tinha aula das 14 às 21hs. Então exausto de cálculos, rizomas e anéis benzenos me dirigia à parada do ônibus (proletário!) e comecei a ler o conto “Feliz Aniversario” de “Laços de Família”. Não era por acaso. Como já falei anteriormente eu tinha uma antipatia injustificada por Clarice e só a estava lendo pelo fato daquela obra estar na lista do vestibular da UFC. Pois bem, já havia lido outros textos da coletânea, mas nada tocou tão profundo como aquela cuspida que a velha senhora aniversariante dera no chão. Nada se comprava: nem a epifania da mulher ao ver o cego mascando chicletes, nem a perversidade disfarçada de compaixão derramada em cima de “pequena flor”, nem Laura e seu copo de Leite, nem a mulher de olhar perdido no fundo do olho sem fundo do búfalo, nada disso havia me tocado tanto quanto a “saia- justa-sem-nesga” (para citar Caio F.) daquela festa de aniversário. Ok, ok, você pode argumentar que “feliz Aniversário” é o mais didático dos textos (se é que se pode adjetivar alguma coisa escrita por Clarice como didática). O fato é que aquele era o texto mais acessível. Ou para ser mais preciso é a “Clarice” certa para o Alexandre certo... naquele momento.
Não posso dizer que me tornei um fã imediato da escritora. Na verdade demoraria mais algum tempo até eu cair definitivamente nas teias misteriosas de Clarice. “O Amor” acabou caindo no vestibular da UFC. Errei todas as questões sobre ele. Mais tarde, já na universidade tentei ler o início de “perto do coração selvagem”. Dor de garganta, abandonei a leitura: o livro era peça arqueológica de mofos e ácaros. Seria apenas quando conhecesse minha querida Érica Zaitune que me seria apresentado “Água-viva – um diálogo com a vida”. Aí sim eu estava capturado pelos segredos e mistérios de Clarice.
“É felicidade diabólica”
Enfim, há oito anos li aquele “feliz aniversário”. Confesso que não voltei a vê-lo desde então. Entretanto há a certeza de que embora a velha ainda esteja lá cuspindo no chão enquanto alguns convidados se perguntam se haverá uma próxima comemoração, próximo ano... é impossível que ele [o conto] seja o mesmo.