sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Memória, dor de cotovelo e similares


François Truffaut (um de meus diretores favoritos) dizia que os melhores roteiros não fazem os melhores filmes. Concordo. Vou dizer o óbvio: o cinema é uma arte com vida própria, distinta da literatura. Linguagens distintas. Resultados distintos.

Como não receber com estranheza por exemplo a adaptação (?) do romance, o “Lavoura Arcaica” para teleona? Me interrogo se é possível chamar de “adaptação” o que (não) fizeram da obra prima de Raduan Nassar uma vez que o filme faz a transcrição literal daquelas páginas. O texto é magnífico, as cenas belíssimas... mas não acontece. Lembro que quando terminei de assisti-lo, em casa, estava com uma puta dor de cabeça.

O inverso também ocorre, e na telinha. A frivolidade e ausência de técnica literária da escritora Candance Bushewell em “Sex and the city” (o livro), ganhou aquela poderosa versão em seriado 6 temporadas (se não me engano) transformando-se na expressão “Top of the line” do feminismo contemporâneo norte-americano (e não só de lá). O mesmo “argumento” foi este ano adaptado em uma terceira linguagem: o cinema. Desastre! “Sex and the city - o filme” é um lixo e um insulto aos fãs (e não só a eles). Recomendo distância.

Pois bem, tudo isso me veio à tona porque recentemente cruzei nas americanas com um dos primeiros filmes que assisti sozinho no cinema (esse costume vem de longe): “Whaiting to exahle”. Lá estava eu, sem nada para fazer e com muito o que fazer – sei que você me entende - olhando DVDs e cogitando: “Será hoje que ‘plata quemada’ ira pra casa comigo?” Avaliei manuseando o filme-adaptação do romance homônimo do argentino Ricardo Píglia. “Se eu levar Amelie Poulain vou ver tantas vezes que o filme perderá o encanto” abandonei na prateleira. Localizei “Kill Bill vol. 1” e pensei idem.
Levei comigo “waiting to exahale”. No caminho para casa já estava inundado de 1996, com uma Barra de Chocolate e a biografia do Caio Fernando Abreu em baixo do braço. Sim, foi naquele ano 1996, Eu: 13 anos. Fevereiro. Fui ver o filme no finado Cine Fortaleza. Ele hoje só existindo na memória. Em seu lugar está uma livraria. Como dizia Caio:
“As ruas vão mudando, os edifícios vão sendo destruídos, mas continuam inteiros dentro de você. Chega um tempo, eu acho, que você vai olhar em volta sem conseguir reconhecer nada.
- As ruas morrem - repetiu Pérsio. - As casas morrem.(...)”

Caio está aqui citando Ferreira Gullar. Pois, como diz o escritor Gaúcho, há Gullar para todos os momentos:

Mas estou me dispersando, na verdade queria falar que “Whaiting to exhale” é um lixo. Muito mal produzido. Não aconselho alguém perder duas horas de suas preciosa vida, afinal ela é apenas uma ponte entre dois nadas, ouvindo a lamúria de quatro mulheres. A direção é tão ruim que até a bela e competente Ângela Basset vira uma mexicana de encabular qualquer Maria do Bairro. Diálogos óbvios, fotografia previsível, edição sonolenta. Clichê clichê clichê sem vírgula nem pausa: CLICHÊ.

Para quem gosta das melosidades tipo Babyface, entretanto, o filme permanece como uma possibilidade. Minto. Se você gosta de Babyface –ele assina a produção musical do filme- vá direto adquirir a trilha sonora disponível em cd pela Arista e muito provavelmente na Rede.

Mas que se há de fazer se o filme está guardado naquele local bonito de lembranças? Diante disso, que importa se a atuação de Whitney Houston é flagrantemente a pior que já vi “in my hole life”? Na frente dela, Grazi Massafera vira Meryl Streep e Ricardo Macchi, o eterno robô cigano, é um Paulo Autran.

Então encerro, dispersivo, retornado á idéia que me motivou escrever esse post: diretores bons podem até transformar atores ruins em razoáveis. Entretanto, é mais fácil o contrário ocorrer, como o exemplo que dei de Ângela Basset. Mas o mais grave é quando ocorre aquela tentativa de reprodução literal de uma arte em outra: Whitney Houston tem o talento para a atuação inversamente proporcional à sua ex-voz de ex-deusa do ébano (hoje entregue ao pó, dizem, a voz não teria mais aquele tom aveludado). Na telona, a face da sua sacarose musical revela uma orvedose de cacoetes.
Acho que vou ver o filme outra vez.