quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Metrópole madrasta



Interpelado por uma agradável companhia fui ver neste fim de semana “O signo da cidade”. Direção de Carlos Alberto Richelle, roteirizado e estrelado por Bruna Lombardi.
Bruna é presença recentíssima na minha atenção. Antes de ler algumas das cartas enviadas por Caio F. a ela, para mim se tratava apenas de uma atriz bonita que vivia fora do Brasil. Lembro que antes disso tropecei em algum de seus livros em uma biblioteca, e a época pensei, pré-conceituosamente, pois não havia lido: qualquer um escreve um livro. Até hoje não tenho opinião sobre sua literatura, uma vez que dela apenas li algumas poesias (reproduzo uma ao final do post).

Gostei do filme. Mas isso pode ser algo muito especial, específico. Se você gosta daqueles filmes com roteiros mirabolantes, com revelações finais estonteantes, não assista. Também se você for ver pensando que encontrará um puta roteiro com a força nos diálogos do tipo Mike-Nichols-antigo em “Quem tem medo de Virginia Woolf?” ou do tipo um Mike-Nichols-mais-recente de “closer- perto demais” também não veja.

Numa visão restrita o filme do estreante diretor é uma celebração, um reencontro com um ethus de escritores e de amigos caros ao circulo de Bruna. Vemos a astrologia e as sexualidades polimorfas dos personagens de Caio Fernando Abreu, O suicido da poeta Ana Cristina César, as cenas de violência gratuita que lembram o poema de Ferreira Gullar “o gato com a espinha quebrada se arrastando pela sarjeta sem conseguir morrer”, a leve citação ao filme Infâmia – “the children’s hour, etc. etc., muitos etc’s. Todos ressoam no filme e falam unissonamente, tomando-o agora numa visão mais ampla, de uma SOLIDÃO MEDONHA.

O signo da cidade é o signo do isolamento, do anonimato, ou como diria Caio, o signo daqueles “que por algum motivo não deram certo. Por que nesse esquema é sujo dar certo”.Então se você procura um filme que faz refletir, sem grandes elucubrações filosóficas, sobre estes seres desolados e adotados pelas madrastas metrópoles, é lícito vê-lo.

O ritmo da narrativa se sustenta diante dos muitos personagens que são paulatinamente apresentados e calmamente entrelaçados. A direção é bem didática e sem muitos floreios. Tendo apenas algumas cenas arriscadas as quais foram bem sucedidas, como por exemplo, o momento em que Bruna vai atender ao telefone no meio do banho e uma notícia é recebida enquanto a câmera acompanha os pingos que caem do corpo da atriz sintonizados com a perplexidade da situação. A música do filme é um pouco óbvia, mas nada que prejudique o todo da obra.
Em suma, “O signo da cidade” é a busca pelo apego a alguma coisa, algum motivo para continuar vivendo, apesar de. Afinal, como dizia Ana Cristina César: é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço.

Sobre a poesia da atriz, transcrevo para que o leitor tire suas próprias conclusões. Ela é uma espécie de sinopse do Filme:

Era preciso fazer alguma coisa
pesquisar todas as malhas dos signos
os mapas, os índicos até achar
era preciso estudar
atentamente os orixás
a possibilidade de viajar
tentar o mar
era preciso
escutar Keith Jarret suavemente
sem se afogar
um som, um meio tom, um quadro na parede
luz de neon, e abrir um verde escandaloso na parede
paisagem que não se vê.
Por que você?
por que não qualquer um de nós que já tentamos tudo
que nos drogamos profundamente conscientes
perdidos no urbano da cidade
os olhos úmidos, a sensibilidade
de um nervo exposto,nos sentimos
metade depois.

Quem sabe os astros, as ondas de energia, as coincidências
os vôos interplanetários, uma idéia de resistência
uma coisa meio Blade Runner em volta
a gente de saco cheio de John Travolta
tentando achar a porta de saída
Nos vestimos de branco, tentamos escapar
com alternativas, chás naturais, respostas no I Ching
dança, poesia, artes marciais
andróides, liberdade, ecologia
músculos, danger, punk, micros, Nova York
toda ideologia é sempre tão contraditória
talvez a salvação viesse em naves espaciais
atari, eletrochoque ou a própria loucura
talvez saber chorar ajude muito.

Era preciso rever o lugar da emoção
o sexo, essa coisa delirante
escrever um relatório hite do avesso
que falasse de telefonemas noturnos, insônia
Metal pesado

Você devia ter se segurado em alguma coisa
uma moda, um discurso, uma idéia de si mesma
- uma paixão que fosse -
qualquer coisa
um mito, um guru, uma política
uma revolução, uma mentira
sei lá, alguma coisa pra se agarrar
talvez uma amiga como ela
um patamar
alguma coisa
antes de cair devagar
pela janela.


do livro O PERIGO DO DRAGÃO, publicado em 1984