quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Cores e contradições: tentando entender Cuba

Em 1994 (eu tinha 11 anos) assisti a primeira cerimônia do Oscar. Dentro, ainda da minha infância, lendo Edgar Allan Poe, por exemplo, não poderia nem imaginar a contradição da festa de auto-celebração de Hollywood. Havia um filme cubano concorrendo ao Oscar de melhor produção estrangeira. Me refiro ao excelente : Morango e Chocolate (título original: fresa e chocolate) que acabo de assistir 14 anos depois.


O filme rodado na ilha de Fidel não ganharia a estatueta naquele ano. Na verdade até me impressiono com a minha boa memória: o ganhador foi “Sol enganador” da Rússia (que também, até hoje, não vi). Ouviria ainda falar sobre o filme numa roda de conversa sobre Reinaldo Arenas e no “Vozes de Nuestra América” quando perguntei ao representante do governo cubano sobre a liberdade de expressão, escrita, Reinaldo Arenas e as questões de diversidade sexual aquele país. (Porque o que chega aqui, geralmente, a nós sobre estas realidades de Cuba é sob as lentes, nada amistosas, do EUA, expliquei.

(do site: http://jornaloformigueiro.blogspot.com/2007_12_09_archive.html)
Sobre os escritores, decepção: o representante desqualificou a monumental obra de Arenas, dizendo que o escritor não era a melhor referência para a literatura cubana. Arenas foi considerado um contra-revolucionário do Regime de Fidel.

Sobre a liberdade de expressão e a diversidade sexual: o rapaz falou que o governo cubano tem avançado muito nestas questões, entretanto, a própria sociedade cubana ainda tem muita resistência ao tema.

Me lembro dos pró dos contras da Ilha de Che. Principalmente daquela frase: “Hoje, milhares de crianças dormirão nas ruas e nenhuma delas é cubana”.
Impossível não lembrar de Arenas ao assistir o “morango e chocolate”. O autor de “antes de anoiteça” era apaixonado por sua terra e pelos cubanos. Contudo, o preço do seu pensamento, foi ter sido censurado, preso, mandado para campo de concentração e trabalhos forçados por contas da palavras “laikas” (como dizia Caio F.) que brotavam de sua pena.

Para mim a cena chave do filme é quando o protagonista resolve escrever uma carta de protesto contra a censura de uma exposição de arte numa embaixada (a manifestação lhe valeria o emprego). Transcrevo um trecho:

“Só aceitam pintores ingênuos ou oficiais ou os que se dizem modernos, porque no fundo não dizem nada de novo. São pura decoração (...) A arte não se transmite, a arte é para sentir e pensar. Que se transmitam coisas na rádio nacional. ”
Então me pergunto: qual seria o preço do “novo homem” pretendido por Che? Naquele mesmo “Vozes de Neustra América” assisti uma palestra sobre a atualidade do pensamento de Guevara. E me surpreendi ao ver o homem por trás do clichê estampado nas camisas. A palestrante falava sobre as novas determinações postas na realidade, que demandam novos olhares e novas discussões sobre pensamento de Che.

Outro ponto importante discutido naqueles dias era a questão das novas gerações cubanas nascidas no pós-URSS. Uma geração sem a antiga bipolaridade. Eles se questionavam: como tornar a revolução socialista uma revolução também nas estruturas de poder hoje constituídas, como dizia Marx, “uma revolução com alma social”.

Então ficam perguntas e mais perguntas: é possível pensar uma política das diferenças dentro de Cuba? A antiga afirmação de Arenas, reproduzida mais abaixo, é importante para nos lembrarmos que o “modelo EUA” não necessariamente, e eu diria que quase nunca, absorve estes “estranhos estrangeiros” a menos que eles adquiram os elementos de distinção de classe e grupo social. E aqui entra a insuperável questão de classe. Mas voltemos à frase de Arenas depois de fugir de Cuba e “comer o papo que o diáboa amassou” em Nova York:

(Foto do cubano exilado Reinaldo Arenas)A diferença entre o socialismo e o capitalismo é que em Cuba você leva um pé na bunda e é obrigado a aplaudir enquanto que nos EUA você leva o mesmo pé na bunda, mas tem a “liberdade” para reclamar.

E eu acrescento... o problema é que se você é estrangeiro, pobre, latino e gay ninguém vai ouvir. E caímos outra vez na questão dos corpos abjetos.

Se a arte é um momento de suspensão do cotidiano, como dizia Agnes Heller, a própria existência deste filme e a sua possibilidade de ter sido rodado em Cuba, demonstra que a questão rompeu os guetos e adentrou o espaço público.
Resta-nos perguntar: qual o futuro de Cuba? Não sei, mas de uma coisa tenho certeza, contra maniqueísmos simplistas também não farei coro com os “Baba-ovo-capacho” como o jornalista Wilham Wack quando no Jornal da Globo, quase solta fogos de artifícios ao anunciar a renúncia de Fidel em 20 de fevereiro deste mesmo ano.