Tenho todos os meus dentes. Mentira, tive que fazer aquela cirurgia para remover os lá de trás (aqueles que não servem para nada). Estranhamente eles não doíam, mas viviam inflamados. E por conta de medos de infecções, bactérias caídas em correntes sanguíneas e todas essas coisas que a agente ouve falar por aí, resolvi retirá-los.


(traumas de "insônia")
Dentes não estão entre meus assuntos favoráveis. Traumas de infância, dentistas terroristas, a zoadinha do motor, a mãe acordando a gente para confirmar se havia escovar e, a irremediável insônia pós-súbito-despertar. Inclusive insônia é um dos espectros que rondam os contos de Maurício. Mas volto logo a este tema. Lembro de uma dentista me dizendo que se eu não cuidasse dos meus dentes perderia todos eles. Que maldade é possível fazer na subjetividade de uma criança. Desde então, até os dias de hoje, não são raros, e já fazem alguns anos, sonhos com dentes caindo, sumindo, quebrando, encolhendo, sendo engolidos, dentes me perseguindo, eu perseguindo dentes, etc. Sem falar nas tentativas de interpretação supersticiosas: mortes, falências, doença. Tudo isso tem, de certa forma, a ver com o livro do jovem de Campinas, mas nada disso eu pensava ao tentar comprá-lo (o livro). Pelo menos, não conscientemente. “Beijando dentes” não me passava uma idéia de, como tenho lido por aí, uma simples incomunicabilidade. De cara o título me transmitiu a imagem de um casal descuidado, imerso na rotina que ao tentar reviver aquele antigo ato do beijo, por descuido (ou seria desinteresse?) acabava por chocar seus dentes. Esta era a cena inicial.
Muitas coisas se desdobraram desde a leitura, mas volto depois para contar mais. No momento (02:50 da manhã), só me falta ler o último conto “uma pedra à mão”. Vou pra cama com esperança de não-insônia e sonhos, de preferência sem dentes. Estes, eu prefiro na vida desperta, na minha boca e na boa literatura.