... tem nome e atende por João Gilberto Noll
Junte o hedonismo de um Jean Genet, a anti-narrativa ressaqueada e desterritorializada de um Samuel Beckett e o lirismo cadenciado de uma Virginia Woolf ou Clarice Lispector; e você terá alguns elementos para entender porque João Gilberto Noll é o MELHOR ESCRITOR BRASILEIRO VIVO (que está em plena atividade).
Estes comentários derramados vêm após a minha (parcial) leitura do mais novo romance do escritor gaúcho: “Acenos e afagos” (Record, 2008). Estou no primeiro terço do livro, mas não me contenho:
Comentar um livro ainda não lido até o final é perigoso, pois os destinos dados à estória podem decepcionar. Isso aconteceu quando li um outro livro do mesmo autor: “Berkeley em Bellagio”(Francis, 2003), lá, Noll escreve um delicioso 2/3 de romance, que tinha tudo para superar o que considero ser, seu melhor livro: “A fúria do corpo”(Rocco, 1989). Mas o desfecho daquela narrativa não está à altura do clima “estrangeiro” erigido no decorrer da “trama”(?). Bem, falar em trama, quando se trata de Noll é sempre complicado, pois o escritor desponta exatamente no cenário brasileiro dos anos 1980 como o “nosso” Beckett (dramaturgo irlandês que escreveu quase toda sua obra na França e em francês): aquele que desafia os limites e o desgaste da narrativa. Só que, como sempre acontece em arte, Noll mantém esse rítmo anti-“trama” durante quase três décadas. Ritmo este que muitos, desde “água-viva” de Clarice Lispector, comparam com a improvisação do Jazz. Ou seja, no final dos anos 1990, sua “crítica” ao desgaste da narrativa já apresenta sinais de, digamos assim, desgaste.
É quando surgem alguns críticos dizendo que o escritor está se repetindo demais, e começa-se a questionar sobre o futuro da literatura de Noll. Surdo a estas constatações, e não fazendo concessões fáceis em seus textos (lembro que Noll é escritor full time sem ser necessariamente um best-seller) ele parece continuar, nesta nova obra, com a tônica da famosa citação de Beckett:
“a expressão de que não há nada a expressar, nada com que expressar, nada a partir do que expressar, nenhuma possibilidade de expressar, nenhum desejo de expressar, aliado à obrigação de expressar”
Esta talvez fosse a epígrafe para uma coletânea das obras do escritor gaúcho (lembro que já existe uma coletânea tipo, “obra completa” publicada pela cia. das letras).
Bem, então vamos às 70 primeiras páginas de “Acenco e afagos”: à primeira vista me agrada o fato de Noll ter voltado a uma narrativa de maior fôlego (após uma fase longuíssimas de contos e romance cerca de 100 páginas). Num primeiro momento é impossível não recordar de “a fúria do corpo”, como disse mais acima, o que considero ser o melhor livro do escritor (levando-se em consideração que já comprei, mas ainda não tive tempo de ler “Harmada”, eleito pela “Revista Bravo!” como um dos 100 livros essenciais da literatura brasileira de todos os tempo).
Na abertura há em “acenos e afagos” ecos do início de “lavoura arcaica”, de Raduan Nassar. Mas o que mais marca é o clima libidinal, e não necessariamente sexual, que faz lembrar “Querelle” e “Diário de um ladrão” (ambos de Genet). Aliás, Noll joga o tempo todo com esses limites dos corpo pautados em “A fúria...”. Aqui a narrativa é menos barroca, menos eclesiástico-profana e o protagonista até tem uma família. O que é de se estranhar, vindo de Noll. Mas isso não tira um certo aspecto sacramental-maldito, como escreve José Castello escreve na orelha do livro:
“Como em a ‘fúria do corpo’(1981), outra grande obra de João Gilberto Noll, é a libido, radicalmente, que move a escrita[...] sem freios, culpa ou pecado e, por isso, pode-se falar, a respeito de Noll, em santidade, como no caso de Genet visto por Sartre”. É o que podemos ver no trecho em que o narrador diz:
“Quando intrépido abro a camisa do estranho, ato contínuo começo a dar vazão às várias constelações de carícias. A mão nos botões não é um gesto menos nobre do que o da mão na bíblia, para dar início aos trabalhos de realimentar nossa fome infinita. Quando, porém, me encontro em rasgada simpatia ao lado de alguém por quem nutro um afeto sólido, nascido anteriormente, preciso fechar os olhos para sentir as primeiras contrações na base do cacete para o impulso ao jorro” (p. 39).
Dito isto, eis mais um Noll para se desatar e deliciar em meio a acenos e afagos.
João Gilberto Noll nasceu em Porto Alegre, 1946. É autor de 13 livros. Venceu o prêmio Jabuti (maior honraria da literatura brasileira) em 1981, 1994, 1997, 2004 e 2005. Foi publicado na Inglaterra, Itália e Argentina.